quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

PALAVRÕES TAMBÉM SÃO IMPORTANTES

Luís Fernando Veríssimo

Os  palavrões  não  nasceram  por  acaso.  São  recursos   extremamente válidos  e criativos para prover  nosso vocabulário de  expressões  que traduzem  com  a  maior  fidelidade  nossos  mais  fortes   e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um  dia.  Sem que isso signifique a "vulgarização" do idioma, mas apenas  sua maior   aproximação com  a gente simples das ruas e dos  escritórios,  seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua  índole.
"Pra caralho", por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que  "Pra caralho"?  "Pra  caralho"  tende  ao  infinito, é quase uma   expressão matemática.  A  Via- Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra  caralho, o   universo  é  antigo pra  caralho, eu gosto de cerveja pra   caralho, entende?
No gênero do  "Pra  caralho",  mas, no  caso, expressando a mais absoluta  negação, está o famoso "Nem  fodendo!". O "Não, não e não!", assim como o "Absolutamente Não" já  soam sem nenhuma credibilidade.   O "Nem fodendo" é irretorquível, e liquida o assunto.  Te  libera,  com  a consciência  tranqüila, para outras atividades  de maior interesse em sua  vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra   ir surfar no  litoral?  Não perca tempo nem  paciência. Solte logo um definitivo "Marquinhos, presta atenção,  filho querido, NEM FODENDO!".
O impertinente se manca na hora e vai  pro Shopping se encontrar com a  turma numa boa e você fecha os olhos  e volta a curtir o CD do Caetano  Veloso.
Por  sua vez, o "porra nenhuma!" atendeu tão plenamente as  situações onde  nosso ego exigia não só a definição de uma  negação, mas  também o justo escárnio contra  descarados  blefes, que hoje é totalmente
impossível  imaginar  que  possamos viver sem ele em nosso  cotidiano   profissional.   Como  comentar  a  bravata  daquele  chefe idiota senão com um "é  PhD porra  nenhuma!",  ou  "ele  redigiu  aquele  relatório sozinho porra nenhuma!".  O  "porra  nenhuma",  como  vocês  podem  ver,  nos provê sensações  de  incrível  bem  estar  interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia  pública de um canalha.

Há  outros palavrões igualmente clássicos. Pense na  sonoridade de um   "Puta-que-pariu!",  ou  seu  correlato  "Puta-que-o-pariu!", falados  assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante qualquer um "puta-que-o-pariu!" dito assim te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o  devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe  permitirá dar  um merecido  troco  ou  o  safar de maiores dores de cabeça.
E o que dizer de nosso famoso "vai tomar no cu!"? E  sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no  meio do seu cu!".  Você já imaginou o bem que alguém faz a  si próprio e aos seus quando,  passado  o  limite do  suportável! , se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:
"Chega! Vai tomar no meio do seu cu!". Pronto,  você  retomou  as  rédeas  de  sua  vida,  sua  auto-estima.
Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, Cabeça  erguida,   um delicioso sorriso de  vitória e renovado  amor-íntimo nos lábios.
E  seria  tremendamente  injusto  não  registrar  aqui a expressão de maior  poder  de  definição  do  Português  Vulgar:  "Fodeu!".  E sua derivação mais avassaladora ainda: "Fodeu de vez!". Você  conhece  definição  mais exata,  pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo  imaginável de ameaçadora  complicação?
Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em  todo um providencial contexto interior de alerta e auto-defesa.
Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem  carteira  de habilitação e ouve  uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? "Fodeu de vez!". Sem contar que o nível de  stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de  "foda-se!" que ela fala.
Existe  algo  mais  libertário  do  que  o  conceito do "foda-se!"? O "foda-se!"  aumenta minha auto-estima, me torna uma  pessoa  melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.
"Não  quer  sair  comigo?  Então  foda-se!". "Vai querer decidir essa merda  sozinho(a)  mesmo?  Então  foda- se!". O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição Federal.
Liberdade, igualdade, fraternidade e Foda-se!

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